quinta-feira, 1 de março de 2018

A maromba e o catolicismo - parte 1, a teoria

 A musculação faz parte da minha vida já a muitos anos, e em certos momentos, foi de fato a atividade mais me aquecia o coração dentre todas as coisas que eu fazia. Desde que me converti, entretanto, fui percebendo cada vez mais a musculação como um ídolo, algo que, quando encarada de certo modo, nos afastava de Deus. À parte de um ou outro comentário (como o comentário do Papa Pio XII sobre os esportes), eu nunca havia encontrado uma análise profunda da possibilidade da conciliação da musculação dentro da vida de um católico, de modo orgânico. Até que eu encontrei uma dissertação de mestrado de um rapaz chamado Malachi Cate , da Universidade de Wisconsin, chamada Towards a Bodybuilding Christian Ethics. O texto é curto (mais ou menos 2-3 horas de leitura corrida) e usa principalmente (mas não exclusivamente) a poderosa ferramenta da antropologia tomista para chegar a um consenso sobre como deve ser a ética de um marombeiro católico.

                                      
 Ele, primeiramente, conclui algo auto-evidente: a musculação pode ser uma porta de entrada para a raiz de todos os pecados, o amor-próprio desordenado (filáucia). Mas Deus ordena que "amemos ao proximo como a nós mesmos", o que implica que o amor-próprio existe como realidade boa também, e Santo Tomás ensina que isso acontece quando desejamos o bem pra nós mesmos, sendo esse bem Ele próprio. Então, é justo buscarmos comida, bebida, abrigo, diversões justas quando não temos como fim a nossa própria satisfação pessoal, mas sim a nossa santificação. Daí fica a pergunta: a musculação pode proporcionar tal santificação? A musculação é intrinsecamente má ou há uma possiblidade dela ser boa?

 Então ele vai de novo até Santo Tomás: a bondade da ação humana depende de três fontes: o objeto da ação (no caso, levantar pesos e comer adequadamente), o fim almejado e as circunstâncias. O objeto da ação não é intrinsecamente mau, de modo algum, e as circunstâncias apenas atenuam ou aumentam a responsabilidade de atos que em si mesmos são bons ou maus, e por isso, a moralidade da coisa está na intenção do sujeito que a pratica. O que o sujeito quer levantando pesos? O que ele almeja? É justamente nesse aspecto que um marombeiro católico deve diferir de um marombeiro secular. Normalmente, estes ultimos levantam pesos por estética e auto-glorificação. O fim ultimo da atividade destes é a própria atividade, que mantém vivo um ciclo que consiste na satisfação por levantar pesos, admiração pelo próprio corpo e no regozijo com aquele estilo de vida e com aquele meio no qual ele vive. Em outras palavras, o camarada vira as costas para as realidades eternas para buscar a realização na auto-glorificação corporal. Isso obviamente é pecaminoso e perigosíssimo, pois a auto-suficiência leva ao orgulho, e o orgulhoso é um homem que é o Deus de si mesmo. Isso, somado com uma vida confortável e cheia de alegrias naturais, faz com que o homem não sinta qualquer necessidade de buscar a Deus ou de repensar as suas atitudes, o que pode levar à impenitência final.

 E qual seria um motivo justo para a musculação? Ora, nós, seres humanos, somos dotados de faculdades meramente animais (movimento, sentidos internos e externos e a imaginação) e algumas faculdades propriamente humanas (como a inteligência e a vontade). As faculdades humanas são mais nobres do que as animais, e por isso mesmo devem ter a primazia: devemos agir de modo a agradar à Deus por meio da santificação e fortalecimento de nossas faculdades mais nobres. Devemos fazer tudo almejando a busca das virtudes e a aproximação da nossa alma de Deus. Se a musculação for feita com este propósito principal (mesmo que também exista algum propósito voltado à um bem direcionado às faculdades inferiores, como por exemplo ficar forte ou saudável), então ela não é pecaminosa. Note que esse critério vale até mesmo pra comida, pra bebida, pro sexo: se o sujeito come simplesmente por prazer, o ato não é bem ordenado, agora se o sujeito come para ter energias pra continuar o serviço de Deus (e o prazer de comer for apenas uma feliz consequência), daí o ato se torna bom. Se o cara faz sexo (no casamento, óbvio) por prazer apenas, o ato é desordenado, mas ele o faz para fomentar o amor do casal e para se abrir ao dom da vida, com o prazer sendo um propósito secundário, o ato é bem ordenado. Esse é um princípio valioso.


 Depois ele (com propósitos ecumênicos), busca evidências nas Sagradas Escrituras acerca da liciedade da musculação. Obviamente essa é uma tarefa ardua (sem usar piruetas exegéticas), pois não existia musculação naquela época (apenas esportes no sentido geral, e mesmo esses são bem pouco citados na Bíblia), mas não impossível: basta fazer uma analogia entre a musculação e algo citado nas escrituras como bom e a partir daí extrapolar. E ele acha um núcleo comum entre práticas ascéticas e a musculação (1Co 9,24-25, Tm 4,7-8). Ambas subordinam capacidades menos nobres do homem à capacidades mais nobres, e podem ser úteis no cultivo das virtudes. Ou seja, o fisiculturismo visto retamente pode ser uma útil ferramenta no cultivo da virtude natural da temperança, educando o corpo no bem e subordinando o mais animal ao mais espiritual. Mas claro, há diferenças entre o ascetismo per se a musculação: o primeiro é feito apenas por amor à Deus, já a segunda é uma mistura de aspirações mais nobres e aspirações mais baixas: a busca pela virtude natural da temperança e a busca de um corpo forte. Além disso, a musculação gera satisfação consigo mesmo, o que não existe numa prática ascética verdadeira.

 Ora, a temperança natural que pode ser buscada via musculação é limitada, pois ela é a temperança que ajuda a dosar retamente as coisas do mundo. Já a temperança obtida por via ascética não é só a natural, é também a sobrenatural: vem direto de Deus e transcende as virtudes meramente humanas. É importante notar a distinção entre as duas coisas: a virtude cardeal natural é ordenada para as coisas do mundo, de modo a ser mais feliz e realizado dentro do contexto das coisas naturais. Já a sobrenatural transcende essa realidade e ajuda-nos a dosar as coisas não com fim à uma vida equilibrada aqui, mas com fim à salvação da alma. Mas isso não significa que uma virtude natural é má, muito pelo contrário, dificilmente um sujeito conseguirá ordenar sua vida retamente à santificação se ele não tem tais virtudes naturais (e, por experiência própria, uma vida desorganizada é uma das melhores maneiras de se entrar num deserto espiritual...). Além disso, ordenar sua vida de modo a ter uma felicidade natural e santa nesse mundo é um bem. Sendo assim, é possível ver que a musculação per se não é mau, pelo contrário, pode trazer muitos benefícios não só ao corpo, mas também à alma do sujeito, condicionando-o para o serviço de Deus. 

 Santo Tomás ensina que um cristão pode querer/fazer algo lícito (ou seja, algo que não vá contra a lei divina nem contra a lei natural) mesmo que esse algo vá além do necessário para a sobrevivencia dele e a de seus proximos, desde que não faça mal pra saúde. Ou seja, um suposto argumento de que a musculação seja "desnecessária" para a salvação (como ela obviamente é) não a torna pecaminosa e nem a torna inútil para a salvação, pois dela podemos tirar diversos bens. Além disso, ela (se o cara não coloca a aparencia acima da saúde) é útil para manter o corpo saudável, que é um bem em si, pois uma pessoa saudável é notavelmente bem menos ranheta (isso obviamente não vale pra grandes santos!) e pode se doar muito mais no serviço do proximo e na busca da santidade.

 Mas possivelmente o maior dos benefícios deste esporte seja justamente a temperança natural que ele fomenta. A temperança não é uma norma puritana, e sim um modo de tudo aproveitar bem para a maior glória de Deus. O temperante não só consegue comer/beber de modo que isso lhe faça bem, mas também o faz de modo que o lícito prazer destas atividades seja muito maior do que o que sentiria um intemperante, que pela falta de virtudes fica mimado e anestesiado. E a temperança advinda deste esforço repetitivo e doloroso, dessa atividade disciplinatória que é a musculação, se estende para todas as áreas da vida (claro, se o sujeito assim desejar). Ora, a musculação em si, apesar de por vezes chata e dolorosa, também ajuda na liberação de certos hormônios, que geram prazer no atleta. Sendo assim, ela é em si mesmo uma atividade lícita e prazerosa, que além de gerar bens corporais e espirituais, em si mesma gera descanso, pois segundo o próprio Sto. Tomás, o melhor remédio para o stress é a alegria, é o tomar partido com moderação em atividades lícitas e prazerosas.

 Com isso, já temos bem consolidado que a musculação, se feita com a intenção de mortificar o corpo, buscar temperança natural e melhorar a saúde e a constituição física, é algo bom. Agora, resta-nos saber o quão frequentemente, sob que circunstâncias e o quão pesado um cristão pode treinar. A virtude cardeal (que é a mãe de todas as virtudes) que dita as circunstâncias nas quais algo é bom é a prudência. Então, por mais que isso pareça óbvio, é necessário saber quando é prudente treinar. Se você passa o dia todo fora de casa, longe de seus filhos, é nobre que você treine todo santo dia e passe ainda mais tempo longe deles? Se você visita uma pessoa e ela faz uma "gordice" pra você comer, é lícito que você faça essa desfeita à ela só pra não sair de sua dieta? Se você é um jovem de 20 anos, provavelmente aguentará treinar pesado várias vezes por semana, mas se você é um ancião, talvez 2 treinos pesados por semana já bastem, e mais que isso pode te deixar quebrado e até gerar lesões. Neste sentido, o sujeito deve saber organizar sua vida de modo que forme um todo coeso e coerente com os princípios cristãos, ou seja, o amor à Deus deve vir em primeiro lugar, em segundo lugar, o amor-próprio ao bem das faculdades superiores (inteligência e vontade) e o serviço e o amor ao proximo, e em terceiro lugar, os bens inferiores (como a busca da saúde). Sabendo viver essa realidade, como todas as outras realidades lícitas, com caridade, a musculação não será uma pedra de tropeço, mas um bom pedagogo para nos guiar às realidades mais elevadas.

 Enfim... concluímos que a musculação, apesar de apresentar perigos se feita com intenções más (vaidade) e trejeitos maus (roupas e atitudes imodestas, inadequadas para um cristão) e normalmente ser feita num meio onde a futilidade impera (e as musicas ruins também...), não é uma atividade má em si. Se o sujeito a vê como ocasião de pecado, é melhor que se abstenha dela, mas no geral, é uma atividade que pode gerar ótimos frutos, gerando a utilíssima temperança natural (que pode nos ajudar a ser mais santos), e tornando o corpo mais forte, ágil e saudável e a mente mais desestressada e concentrada para o melhor serviço de Cristo.

 PS: Infelizmente algumas pesquisas mostram que atividades aeróbicas são superiores à musculação com relação à melhora da concentração e do raciocínio lógico. Então estudantes, façam uma esteirinha no final da musculação se quiserem aproveitar os exercícios de modo a melhorar o desempenho nos estudos.



















6 de Abril - Segunda Feira Santa

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