Ele, primeiramente, conclui algo auto-evidente: a musculação pode ser uma porta de entrada para a raiz de todos os pecados, o amor-próprio desordenado (filáucia). Mas Deus ordena que "amemos ao proximo como a nós mesmos", o que implica que o amor-próprio existe como realidade boa também, e Santo Tomás ensina que isso acontece quando desejamos o bem pra nós mesmos, sendo esse bem Ele próprio. Então, é justo buscarmos comida, bebida, abrigo, diversões justas quando não temos como fim a nossa própria satisfação pessoal, mas sim a nossa santificação. Daí fica a pergunta: a musculação pode proporcionar tal santificação? A musculação é intrinsecamente má ou há uma possiblidade dela ser boa?
Então ele vai de novo até Santo Tomás: a bondade da ação humana depende de três fontes: o objeto da ação (no caso, levantar pesos e comer adequadamente), o fim almejado e as circunstâncias. O objeto da ação não é intrinsecamente mau, de modo algum, e as circunstâncias apenas atenuam ou aumentam a responsabilidade de atos que em si mesmos são bons ou maus, e por isso, a moralidade da coisa está na intenção do sujeito que a pratica. O que o sujeito quer levantando pesos? O que ele almeja? É justamente nesse aspecto que um marombeiro católico deve diferir de um marombeiro secular. Normalmente, estes ultimos levantam pesos por estética e auto-glorificação. O fim ultimo da atividade destes é a própria atividade, que mantém vivo um ciclo que consiste na satisfação por levantar pesos, admiração pelo próprio corpo e no regozijo com aquele estilo de vida e com aquele meio no qual ele vive. Em outras palavras, o camarada vira as costas para as realidades eternas para buscar a realização na auto-glorificação corporal. Isso obviamente é pecaminoso e perigosíssimo, pois a auto-suficiência leva ao orgulho, e o orgulhoso é um homem que é o Deus de si mesmo. Isso, somado com uma vida confortável e cheia de alegrias naturais, faz com que o homem não sinta qualquer necessidade de buscar a Deus ou de repensar as suas atitudes, o que pode levar à impenitência final.
E qual seria um motivo justo para a musculação? Ora, nós, seres humanos, somos dotados de faculdades meramente animais (movimento, sentidos internos e externos e a imaginação) e algumas faculdades propriamente humanas (como a inteligência e a vontade). As faculdades humanas são mais nobres do que as animais, e por isso mesmo devem ter a primazia: devemos agir de modo a agradar à Deus por meio da santificação e fortalecimento de nossas faculdades mais nobres. Devemos fazer tudo almejando a busca das virtudes e a aproximação da nossa alma de Deus. Se a musculação for feita com este propósito principal (mesmo que também exista algum propósito voltado à um bem direcionado às faculdades inferiores, como por exemplo ficar forte ou saudável), então ela não é pecaminosa. Note que esse critério vale até mesmo pra comida, pra bebida, pro sexo: se o sujeito come simplesmente por prazer, o ato não é bem ordenado, agora se o sujeito come para ter energias pra continuar o serviço de Deus (e o prazer de comer for apenas uma feliz consequência), daí o ato se torna bom. Se o cara faz sexo (no casamento, óbvio) por prazer apenas, o ato é desordenado, mas ele o faz para fomentar o amor do casal e para se abrir ao dom da vida, com o prazer sendo um propósito secundário, o ato é bem ordenado. Esse é um princípio valioso.
Depois ele (com propósitos ecumênicos), busca evidências nas Sagradas Escrituras acerca da liciedade da musculação. Obviamente essa é uma tarefa ardua (sem usar piruetas exegéticas), pois não existia musculação naquela época (apenas esportes no sentido geral, e mesmo esses são bem pouco citados na Bíblia), mas não impossível: basta fazer uma analogia entre a musculação e algo citado nas escrituras como bom e a partir daí extrapolar. E ele acha um núcleo comum entre práticas ascéticas e a musculação (1Co 9,24-25, Tm 4,7-8). Ambas subordinam capacidades menos nobres do homem à capacidades mais nobres, e podem ser úteis no cultivo das virtudes. Ou seja, o fisiculturismo visto retamente pode ser uma útil ferramenta no cultivo da virtude natural da temperança, educando o corpo no bem e subordinando o mais animal ao mais espiritual. Mas claro, há diferenças entre o ascetismo per se a musculação: o primeiro é feito apenas por amor à Deus, já a segunda é uma mistura de aspirações mais nobres e aspirações mais baixas: a busca pela virtude natural da temperança e a busca de um corpo forte. Além disso, a musculação gera satisfação consigo mesmo, o que não existe numa prática ascética verdadeira.
Ora, a temperança natural que pode ser buscada via musculação é limitada, pois ela é a temperança que ajuda a dosar retamente as coisas do mundo. Já a temperança obtida por via ascética não é só a natural, é também a sobrenatural: vem direto de Deus e transcende as virtudes meramente humanas. É importante notar a distinção entre as duas coisas: a virtude cardeal natural é ordenada para as coisas do mundo, de modo a ser mais feliz e realizado dentro do contexto das coisas naturais. Já a sobrenatural transcende essa realidade e ajuda-nos a dosar as coisas não com fim à uma vida equilibrada aqui, mas com fim à salvação da alma. Mas isso não significa que uma virtude natural é má, muito pelo contrário, dificilmente um sujeito conseguirá ordenar sua vida retamente à santificação se ele não tem tais virtudes naturais (e, por experiência própria, uma vida desorganizada é uma das melhores maneiras de se entrar num deserto espiritual...). Além disso, ordenar sua vida de modo a ter uma felicidade natural e santa nesse mundo é um bem. Sendo assim, é possível ver que a musculação per se não é mau, pelo contrário, pode trazer muitos benefícios não só ao corpo, mas também à alma do sujeito, condicionando-o para o serviço de Deus.
Santo Tomás ensina que um cristão pode querer/fazer algo lícito (ou seja, algo que não vá contra a lei divina nem contra a lei natural) mesmo que esse algo vá além do necessário para a sobrevivencia dele e a de seus proximos, desde que não faça mal pra saúde. Ou seja, um suposto argumento de que a musculação seja "desnecessária" para a salvação (como ela obviamente é) não a torna pecaminosa e nem a torna inútil para a salvação, pois dela podemos tirar diversos bens. Além disso, ela (se o cara não coloca a aparencia acima da saúde) é útil para manter o corpo saudável, que é um bem em si, pois uma pessoa saudável é notavelmente bem menos ranheta (isso obviamente não vale pra grandes santos!) e pode se doar muito mais no serviço do proximo e na busca da santidade.
Mas possivelmente o maior dos benefícios deste esporte seja justamente a temperança natural que ele fomenta. A temperança não é uma norma puritana, e sim um modo de tudo aproveitar bem para a maior glória de Deus. O temperante não só consegue comer/beber de modo que isso lhe faça bem, mas também o faz de modo que o lícito prazer destas atividades seja muito maior do que o que sentiria um intemperante, que pela falta de virtudes fica mimado e anestesiado. E a temperança advinda deste esforço repetitivo e doloroso, dessa atividade disciplinatória que é a musculação, se estende para todas as áreas da vida (claro, se o sujeito assim desejar). Ora, a musculação em si, apesar de por vezes chata e dolorosa, também ajuda na liberação de certos hormônios, que geram prazer no atleta. Sendo assim, ela é em si mesmo uma atividade lícita e prazerosa, que além de gerar bens corporais e espirituais, em si mesma gera descanso, pois segundo o próprio Sto. Tomás, o melhor remédio para o stress é a alegria, é o tomar partido com moderação em atividades lícitas e prazerosas.
Com isso, já temos bem consolidado que a musculação, se feita com a intenção de mortificar o corpo, buscar temperança natural e melhorar a saúde e a constituição física, é algo bom. Agora, resta-nos saber o quão frequentemente, sob que circunstâncias e o quão pesado um cristão pode treinar. A virtude cardeal (que é a mãe de todas as virtudes) que dita as circunstâncias nas quais algo é bom é a prudência. Então, por mais que isso pareça óbvio, é necessário saber quando é prudente treinar. Se você passa o dia todo fora de casa, longe de seus filhos, é nobre que você treine todo santo dia e passe ainda mais tempo longe deles? Se você visita uma pessoa e ela faz uma "gordice" pra você comer, é lícito que você faça essa desfeita à ela só pra não sair de sua dieta? Se você é um jovem de 20 anos, provavelmente aguentará treinar pesado várias vezes por semana, mas se você é um ancião, talvez 2 treinos pesados por semana já bastem, e mais que isso pode te deixar quebrado e até gerar lesões. Neste sentido, o sujeito deve saber organizar sua vida de modo que forme um todo coeso e coerente com os princípios cristãos, ou seja, o amor à Deus deve vir em primeiro lugar, em segundo lugar, o amor-próprio ao bem das faculdades superiores (inteligência e vontade) e o serviço e o amor ao proximo, e em terceiro lugar, os bens inferiores (como a busca da saúde). Sabendo viver essa realidade, como todas as outras realidades lícitas, com caridade, a musculação não será uma pedra de tropeço, mas um bom pedagogo para nos guiar às realidades mais elevadas.
Enfim... concluímos que a musculação, apesar de apresentar perigos se feita com intenções más (vaidade) e trejeitos maus (roupas e atitudes imodestas, inadequadas para um cristão) e normalmente ser feita num meio onde a futilidade impera (e as musicas ruins também...), não é uma atividade má em si. Se o sujeito a vê como ocasião de pecado, é melhor que se abstenha dela, mas no geral, é uma atividade que pode gerar ótimos frutos, gerando a utilíssima temperança natural (que pode nos ajudar a ser mais santos), e tornando o corpo mais forte, ágil e saudável e a mente mais desestressada e concentrada para o melhor serviço de Cristo.
PS: Infelizmente algumas pesquisas mostram que atividades aeróbicas são superiores à musculação com relação à melhora da concentração e do raciocínio lógico. Então estudantes, façam uma esteirinha no final da musculação se quiserem aproveitar os exercícios de modo a melhorar o desempenho nos estudos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário