segunda-feira, 6 de abril de 2020

6 de Abril - Segunda Feira Santa

Is 42, 1-7 ; Jo 12, 1-11

A frase que mais marcada ficou, dada a leitura de Isaías que profetiza a vinda e a salvação de Cristo e o Evangelho que trata da unção que Maria irmã de Marta faz em Jesus, foi a frase de Cristo: "pobres sempre tereis entre vós, mas eu nem sempre estarei entre vós". Ora, é exatamente esse o caso agora. De um modo impensável, de um modo que pareceria inacreditável a meses atrás, foram abolidas todas as missas públicas. Não participamos mais do Santo Sacrifício da Missa, não mais temos acesso aos sacramentos, não podemos mais ouvir a Palavra proferida pela boca e explicada pessoalmente por um sacerdote, não podemos, enfim, receber o Santíssimo Sacramento. "Nem sempre estarei entre vós". Quando Ele estava, que valor demos a Ele? Não adianta remoer isso, pois nossa vida espiritual não pode estar presa no passado. Deve apontar, pois, para um futuro, um futuro no qual seremos mais fiéis a Cristo. Que possamos então aproveitar esse tempo de penitência, esse tempo de mortificação, esse tempo de aparente abandono, para tirar o que de bom se possa tirar. Aproveitemos esse tempo para viver de modo mais efetivo a realidade da Igreja doméstica, vivendo em família a esperança que depositamos em Cristo Jesus. Que possamos ordenar melhor nossa vida, em geral tão atribulada não só pelos nossos compromissos, que de algum modo se mantém, mas também por muitas obrigações auto-impostas que agora percebemos que são palha, que são supérfluas, que não são nada.  Dado isso, aproveitemos esse período de maior recolhimento para bem ordenar tudo em nossa vida, de modo que a ordem dela e o tempo que passamos fazendo cada coisa seja um espelho do que é e do que não é importante para nós. Que aproveitemos esse tempo, enfim, para nos encher de saudade, de expectativa pela volta da celebração pública dos sacramentos. Que, quando Cristo novamente se fizer presente fisicamente entre nós, nos possamos nos encontrar preparados. Agora, temos os pobres aos nosso lado, temos aqueles que precisam de nós, temos os nossos familiares, temos aqueles que estão afetados pela crise, temos aquelas pessoas que precisam de nossas orações. Que voltando Cristo, saibamos retamente adora-Lo derramando em Seus pés e em Sua cabeça todo o nosso perfume, tudo o que temos de valor. Que tudo possamos colocar nas mãos do Senhor, que Ele seja o norte de nossa vida, que possamos tirar um bem desse mal, com a Graça de Cristo Jesus que tudo dispõe para o bem daqueles que O amam. Que O amemos!
MARIA UNGE JESUS - YouTube

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Quinta Feira - 5a semana da quaresma

Quinta Feira - 5a semana da quaresma
(Gn 17,3-9) , (Sl 104,4-9) ,  (Jo 8,51-59)


A primeira leitura fala da promessa feita a Abraão, ainda Abrão, que Deus a ele fez, de conceder-lhe uma descendência mais numerosa que as estrelas do céu. Essa descendência foi num primeiro momento o povo de Israel, o único dotado da revelação do Deus único, o único povo ao qual foi revelado, até então, a Lei Natural por meio dos dez mandamentos. Nesses últimos dias, após a vinda de Cristo, descendente de Abraão pela carne, Deus filho pela divindade, podemos nos tornar "membros" de Cristo, filhos de Deus "adotivos" participando da filiação eterna dO Filho, mas sendo também por meio deste mesmo Filho, descendentes de Abraão. Os cristãos, aqueles batizados que estão unidos na fé, esses são a "descendência de Abraão" nos dias de hoje. A promessa de que a Terra de Canaã pertenceria à descendência de Abraão não a dá ao povo judeu, que não aceitou a Cristo e por isso renegou essa mesma descendência a Abraão e, mais importante, renegou a filiação divina. A promessa se refere aos cristãos! Somos nós os herdeiros de Jerusalém. Ora, mas nossa esperança não está aqui, não está na terra, ainda que seja santa. Devemos aspirar sempre a verdadeira Jerusalém, a Jerusalém celeste, o céu, o prêmio prometido a todos aqueles que, tendo fé, viveram a caridade, o amor sobrenatural, o amor do próprio Cristo. Quando amamos com amor verdadeiro, com amor gratuito, amamos com o amor de Cristo. Quando é que amamos assim? Quando é que nós conseguimos colocar tudo diante do Senhor? Quando é que confiamos em sua Providência, sabendo que até mesmo os males que ele permite são para nossa santificação e para a maior glória de Seu nome? Somos tíbios, e muitas vezes vivemos como birutas, apontando para a direção dos ventos, e não como pessoas que sabem o que importa e que confiam tudo a Deus, buscando viver conforme a Sua vontade.
 Que saibamos, como Abraão, confiar em Deus em tudo. Que não sejamos como os fariseus, que, diante do filho de Deus, O odiaram. Que aquilo que Deus permite não seja visto por nós com ódio, mas com resignação e com sincera vontade de se retirar, cooperando com Cristo, um bem maior de situações ruins que Deus permite que ocorram. Ajuda-nos, Senhor, a nos colocar, como crianças, diante de Sua vontade, confiando que Sua promessa não falha, assim como sabia Abraão, o pai da fé.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Notas autobiográficas sobre o Santo Rosário

   Desde que voltei pra Santa Igreja a récita do Santo Rosário (na verdade do santo terço: o rosário completo rezei uma dúzia de vezes) é parte integral de minha rotina de orações. Em 2016 consagrei-me à Nosso Senhor Jesus Cristo pelas mãos da Santíssima Virgem Maria pelo método de São Luis Maria Grignon de Montfort, e passei a ver o terço como uma obrigação de preceito a ser substituído pela coroinha de Nossa Senhora ou por alguma outra devoção mais rápida em dias de correria (outro nome pra falta de organização). Desde então eu deixei de rezar o terço apenas umas poucas vezes, onde o meu instinto que ladrava "tadinho de você, você precisa dormir" falou mais alto.



 Claro que é uma vitória quando você chega no fim do dia morrendo de sono e adia a gaudiosa perspectiva de deitar-se para recitar o terço entre lágrimas (de sono) e bocejos (é o caráter penitencial da oração, veja só que coisa esquisita), mas é também óbvio que esse não é um jeito lá muito digno de se tratar aquela que é a oração mais querida dos santos. Incomodado com o fato de que na maioria dos dias o terço tenha se tornado algo a mais a se ticar numa lista de "coisas a se fazer", acabei encontrando um curso do Padre Paulo Ricardo chamado "o Segredo do Rosário". Eu já tinha visto que esse curso existia, mas nunca havia dado bola pra ele. Assisti todas as aulas: o curso é um resumo de um livro de São Luis de Montfort chamado "O Segredo Admirável do Santo Rosário". Nesse livro, São Luis explica porque devemos rezar o Santo Rosário, como ele surgiu e como bem reza-lo, meditando os mistérios e/ou as próprias orações vocais e evitando as distrações.

 Um dos pontos no qual Padre Paulo toca é bem pertinente pra minha lamentável pessoa: uma das maiores fontes de distração na récita do Santo Rosário é a pressa de acabar logo pra tica-lo da lista. No fundo isso é meio óbvio, mas por vezes precisamos ouvir o óbvio pra criar vergonha na cara.

 Graças ao Padre Paulo, venho buscando fazer oração pessoal (entrai no seu quarto, no segredo, e reza ao teu Pai que está no céu), pois como alguém pode crescer na vida espiritual sem buscar amizade com o Senhor Todo-Poderoso por meio do Filho na ação do Espírito? A oração pessoal é, mais do que a penitência, mais do que as obras de caridade, o verdadeiro meio de santificação (embora essas outras coisas sejam acompanhamento ou consequência da oração e da recepção dos sacramentos). É buscar se tornar galho da videira para que, com a seiva que dela brota, possamos render fruto, pois apenas Cristo pode fazer sair algo bom de gente feito a gente. Essa minha oração pessoal era feita com base numa meditação da Liturgia diária. Primeiro eu lia, depois meditava botando por escrito num caderninho (isso é uma dica que li num livro chamado "A vida no ritmo da palavra" de Amadeo Cencini, livro que tem algumas coisas bem legais mas é no fundo meio esquisito) pra por fim, mais tarde, ruminar palavra por palavra da leitura tendo a Sagrada Escritura nas mãos diante do Sacrário (o Instituto de Física aqui da USP-São Carlos é muito próximo de uma paróquia). Até que funcionava mais ou menos, mas a Sagrada Escritura é por vezes meio árida e, ademais, fazer tudo isso gastava um tempo danado (ou seja, eu acabava cabulando a ultima parte, que era a oração pessoal propriamente dita...).
Claro que devemos dedicar quanto tempo for necessário pra Deus, mas me parecia que alguma coisa sempre acabaria saindo mal-feita. É aí que toda essa história de bem rezar o terço entra: o terço bem rezado é propriamente meditação e oração mental. São tantas verdades ali meditadas! São verdades simples mas profundíssimas, que tocam no cerne mesmo daquilo que é mais importante pra nossa fé. Pra um sujeito consagrado à Cristo pelas mãos da Santíssima Virgem (e com a agenda meio apertada) nada mais conveniente e adequado que unir a oração pessoal à essa tão nobre devoção.

 Pretendo ler o livrinho na integra pra deixar um resumão aqui. Espero que ajude o pessoal a bem rezar o terço.

 Fiquem com Deus e agradeço por terem suportado essa lenga-lenga até aqui!

terça-feira, 26 de junho de 2018

Isaac Newton e seu pensamento acerca da revolução newtoniana

 Esse é um textinho bobo que escrevi em quinze minutos (a alguns meses atrás) em resposta à um exercício do livro "Como Ler Livros", do Mortimer Adler e do Charles Van Doren que pedia que comentássemos um textinho do Newton (que não achei na íntegra na net, mas que tem a ver com a imagem que postei no final). Não falei nada de muito brilhante aqui, a análise chega a ser grosseira, o nível filosófico é pouco mais que palpitaria e pode estar, evidentemente, errado, mas acho que talvez possa ser útil, seja lá de que modo.

 Newton tinha a impressão de que havia captado apenas alguns aspectos acidentais da realidade: ele entendia o mecanismo que fazia cair as maças e girar os astros, mas pra isso, abstraiu dos corpos todas as suas características não mensuráveis! Tudo o que ele explicou era válido apenas para corpos tomados como "arranjos de matéria de determinada quantidade", coisa que de fato eram, mas que não as esgotava. A afirmativa dele de que ele não se via senão como "um garotinho brincando na praia" implica que ele tivesse clara essa distinção, e podemos então concluir que ele, o criador (junto com Galileu) do mecanicismo, soubesse melhor do que aqueles que o sucederam que seu mecanismo era apenas uma abstração da realidade, não explicando-a totalmente.
 Isso é interessante, pois sabemos (pelo próprio texto de Newton) que a obra de Descartes teve grande influência no pensamento dele e no seu interesse mais profundo pela matemática. Para Descartes, tudo se dividia em "res cogitans" e "res extensae", ou seja, em coisas que pensam (fantasminhas que se percebem como reais porque estão pensando) e coisas que podem ser medidas. Todas essas características qualitativas dos corpos físicos são, pra ele, subjetivas, meras criações do fantasminha ao entrar em contato com quantidades mensuráveis. Se Newton não achava que sua mecânica (que, a parte da igualdade minercial = mgravitacional sem explicações, era toda explicada) "explicava" tudo, então possivelmente ele acreditava em algo para além daquilo que pudesse ser medido.

(e por esse algo, não estou falando de Deus, pois Nele sabemos que Newton acreditava. Falo de qualidades NÃO mensuráveis)

Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enqu... Frase de Isaac Newton.

quinta-feira, 1 de março de 2018

A maromba e o catolicismo - parte 1, a teoria

 A musculação faz parte da minha vida já a muitos anos, e em certos momentos, foi de fato a atividade mais me aquecia o coração dentre todas as coisas que eu fazia. Desde que me converti, entretanto, fui percebendo cada vez mais a musculação como um ídolo, algo que, quando encarada de certo modo, nos afastava de Deus. À parte de um ou outro comentário (como o comentário do Papa Pio XII sobre os esportes), eu nunca havia encontrado uma análise profunda da possibilidade da conciliação da musculação dentro da vida de um católico, de modo orgânico. Até que eu encontrei uma dissertação de mestrado de um rapaz chamado Malachi Cate , da Universidade de Wisconsin, chamada Towards a Bodybuilding Christian Ethics. O texto é curto (mais ou menos 2-3 horas de leitura corrida) e usa principalmente (mas não exclusivamente) a poderosa ferramenta da antropologia tomista para chegar a um consenso sobre como deve ser a ética de um marombeiro católico.

                                      
 Ele, primeiramente, conclui algo auto-evidente: a musculação pode ser uma porta de entrada para a raiz de todos os pecados, o amor-próprio desordenado (filáucia). Mas Deus ordena que "amemos ao proximo como a nós mesmos", o que implica que o amor-próprio existe como realidade boa também, e Santo Tomás ensina que isso acontece quando desejamos o bem pra nós mesmos, sendo esse bem Ele próprio. Então, é justo buscarmos comida, bebida, abrigo, diversões justas quando não temos como fim a nossa própria satisfação pessoal, mas sim a nossa santificação. Daí fica a pergunta: a musculação pode proporcionar tal santificação? A musculação é intrinsecamente má ou há uma possiblidade dela ser boa?

 Então ele vai de novo até Santo Tomás: a bondade da ação humana depende de três fontes: o objeto da ação (no caso, levantar pesos e comer adequadamente), o fim almejado e as circunstâncias. O objeto da ação não é intrinsecamente mau, de modo algum, e as circunstâncias apenas atenuam ou aumentam a responsabilidade de atos que em si mesmos são bons ou maus, e por isso, a moralidade da coisa está na intenção do sujeito que a pratica. O que o sujeito quer levantando pesos? O que ele almeja? É justamente nesse aspecto que um marombeiro católico deve diferir de um marombeiro secular. Normalmente, estes ultimos levantam pesos por estética e auto-glorificação. O fim ultimo da atividade destes é a própria atividade, que mantém vivo um ciclo que consiste na satisfação por levantar pesos, admiração pelo próprio corpo e no regozijo com aquele estilo de vida e com aquele meio no qual ele vive. Em outras palavras, o camarada vira as costas para as realidades eternas para buscar a realização na auto-glorificação corporal. Isso obviamente é pecaminoso e perigosíssimo, pois a auto-suficiência leva ao orgulho, e o orgulhoso é um homem que é o Deus de si mesmo. Isso, somado com uma vida confortável e cheia de alegrias naturais, faz com que o homem não sinta qualquer necessidade de buscar a Deus ou de repensar as suas atitudes, o que pode levar à impenitência final.

 E qual seria um motivo justo para a musculação? Ora, nós, seres humanos, somos dotados de faculdades meramente animais (movimento, sentidos internos e externos e a imaginação) e algumas faculdades propriamente humanas (como a inteligência e a vontade). As faculdades humanas são mais nobres do que as animais, e por isso mesmo devem ter a primazia: devemos agir de modo a agradar à Deus por meio da santificação e fortalecimento de nossas faculdades mais nobres. Devemos fazer tudo almejando a busca das virtudes e a aproximação da nossa alma de Deus. Se a musculação for feita com este propósito principal (mesmo que também exista algum propósito voltado à um bem direcionado às faculdades inferiores, como por exemplo ficar forte ou saudável), então ela não é pecaminosa. Note que esse critério vale até mesmo pra comida, pra bebida, pro sexo: se o sujeito come simplesmente por prazer, o ato não é bem ordenado, agora se o sujeito come para ter energias pra continuar o serviço de Deus (e o prazer de comer for apenas uma feliz consequência), daí o ato se torna bom. Se o cara faz sexo (no casamento, óbvio) por prazer apenas, o ato é desordenado, mas ele o faz para fomentar o amor do casal e para se abrir ao dom da vida, com o prazer sendo um propósito secundário, o ato é bem ordenado. Esse é um princípio valioso.


 Depois ele (com propósitos ecumênicos), busca evidências nas Sagradas Escrituras acerca da liciedade da musculação. Obviamente essa é uma tarefa ardua (sem usar piruetas exegéticas), pois não existia musculação naquela época (apenas esportes no sentido geral, e mesmo esses são bem pouco citados na Bíblia), mas não impossível: basta fazer uma analogia entre a musculação e algo citado nas escrituras como bom e a partir daí extrapolar. E ele acha um núcleo comum entre práticas ascéticas e a musculação (1Co 9,24-25, Tm 4,7-8). Ambas subordinam capacidades menos nobres do homem à capacidades mais nobres, e podem ser úteis no cultivo das virtudes. Ou seja, o fisiculturismo visto retamente pode ser uma útil ferramenta no cultivo da virtude natural da temperança, educando o corpo no bem e subordinando o mais animal ao mais espiritual. Mas claro, há diferenças entre o ascetismo per se a musculação: o primeiro é feito apenas por amor à Deus, já a segunda é uma mistura de aspirações mais nobres e aspirações mais baixas: a busca pela virtude natural da temperança e a busca de um corpo forte. Além disso, a musculação gera satisfação consigo mesmo, o que não existe numa prática ascética verdadeira.

 Ora, a temperança natural que pode ser buscada via musculação é limitada, pois ela é a temperança que ajuda a dosar retamente as coisas do mundo. Já a temperança obtida por via ascética não é só a natural, é também a sobrenatural: vem direto de Deus e transcende as virtudes meramente humanas. É importante notar a distinção entre as duas coisas: a virtude cardeal natural é ordenada para as coisas do mundo, de modo a ser mais feliz e realizado dentro do contexto das coisas naturais. Já a sobrenatural transcende essa realidade e ajuda-nos a dosar as coisas não com fim à uma vida equilibrada aqui, mas com fim à salvação da alma. Mas isso não significa que uma virtude natural é má, muito pelo contrário, dificilmente um sujeito conseguirá ordenar sua vida retamente à santificação se ele não tem tais virtudes naturais (e, por experiência própria, uma vida desorganizada é uma das melhores maneiras de se entrar num deserto espiritual...). Além disso, ordenar sua vida de modo a ter uma felicidade natural e santa nesse mundo é um bem. Sendo assim, é possível ver que a musculação per se não é mau, pelo contrário, pode trazer muitos benefícios não só ao corpo, mas também à alma do sujeito, condicionando-o para o serviço de Deus. 

 Santo Tomás ensina que um cristão pode querer/fazer algo lícito (ou seja, algo que não vá contra a lei divina nem contra a lei natural) mesmo que esse algo vá além do necessário para a sobrevivencia dele e a de seus proximos, desde que não faça mal pra saúde. Ou seja, um suposto argumento de que a musculação seja "desnecessária" para a salvação (como ela obviamente é) não a torna pecaminosa e nem a torna inútil para a salvação, pois dela podemos tirar diversos bens. Além disso, ela (se o cara não coloca a aparencia acima da saúde) é útil para manter o corpo saudável, que é um bem em si, pois uma pessoa saudável é notavelmente bem menos ranheta (isso obviamente não vale pra grandes santos!) e pode se doar muito mais no serviço do proximo e na busca da santidade.

 Mas possivelmente o maior dos benefícios deste esporte seja justamente a temperança natural que ele fomenta. A temperança não é uma norma puritana, e sim um modo de tudo aproveitar bem para a maior glória de Deus. O temperante não só consegue comer/beber de modo que isso lhe faça bem, mas também o faz de modo que o lícito prazer destas atividades seja muito maior do que o que sentiria um intemperante, que pela falta de virtudes fica mimado e anestesiado. E a temperança advinda deste esforço repetitivo e doloroso, dessa atividade disciplinatória que é a musculação, se estende para todas as áreas da vida (claro, se o sujeito assim desejar). Ora, a musculação em si, apesar de por vezes chata e dolorosa, também ajuda na liberação de certos hormônios, que geram prazer no atleta. Sendo assim, ela é em si mesmo uma atividade lícita e prazerosa, que além de gerar bens corporais e espirituais, em si mesma gera descanso, pois segundo o próprio Sto. Tomás, o melhor remédio para o stress é a alegria, é o tomar partido com moderação em atividades lícitas e prazerosas.

 Com isso, já temos bem consolidado que a musculação, se feita com a intenção de mortificar o corpo, buscar temperança natural e melhorar a saúde e a constituição física, é algo bom. Agora, resta-nos saber o quão frequentemente, sob que circunstâncias e o quão pesado um cristão pode treinar. A virtude cardeal (que é a mãe de todas as virtudes) que dita as circunstâncias nas quais algo é bom é a prudência. Então, por mais que isso pareça óbvio, é necessário saber quando é prudente treinar. Se você passa o dia todo fora de casa, longe de seus filhos, é nobre que você treine todo santo dia e passe ainda mais tempo longe deles? Se você visita uma pessoa e ela faz uma "gordice" pra você comer, é lícito que você faça essa desfeita à ela só pra não sair de sua dieta? Se você é um jovem de 20 anos, provavelmente aguentará treinar pesado várias vezes por semana, mas se você é um ancião, talvez 2 treinos pesados por semana já bastem, e mais que isso pode te deixar quebrado e até gerar lesões. Neste sentido, o sujeito deve saber organizar sua vida de modo que forme um todo coeso e coerente com os princípios cristãos, ou seja, o amor à Deus deve vir em primeiro lugar, em segundo lugar, o amor-próprio ao bem das faculdades superiores (inteligência e vontade) e o serviço e o amor ao proximo, e em terceiro lugar, os bens inferiores (como a busca da saúde). Sabendo viver essa realidade, como todas as outras realidades lícitas, com caridade, a musculação não será uma pedra de tropeço, mas um bom pedagogo para nos guiar às realidades mais elevadas.

 Enfim... concluímos que a musculação, apesar de apresentar perigos se feita com intenções más (vaidade) e trejeitos maus (roupas e atitudes imodestas, inadequadas para um cristão) e normalmente ser feita num meio onde a futilidade impera (e as musicas ruins também...), não é uma atividade má em si. Se o sujeito a vê como ocasião de pecado, é melhor que se abstenha dela, mas no geral, é uma atividade que pode gerar ótimos frutos, gerando a utilíssima temperança natural (que pode nos ajudar a ser mais santos), e tornando o corpo mais forte, ágil e saudável e a mente mais desestressada e concentrada para o melhor serviço de Cristo.

 PS: Infelizmente algumas pesquisas mostram que atividades aeróbicas são superiores à musculação com relação à melhora da concentração e do raciocínio lógico. Então estudantes, façam uma esteirinha no final da musculação se quiserem aproveitar os exercícios de modo a melhorar o desempenho nos estudos.



















sábado, 16 de dezembro de 2017

A Vida Intelectual - Antonin-Gilbert Sertillanges


 "A Vida Intelectual", obra produzida em 1934 pelo frade dominicano de filosofia neo-tomista Antonin-Gilbert Sertillanges (nascido Antonin-Dalmace, o que explica o A.D na capa do
livro) é essencial pra quem se sente chamado à "vocação intelectual". Essencial, pois o autor radiograficamente diagnostica as principais tendencias viciosas que podem impedir essa pessoa de alcançar a plenitude por meio desta vocação, e além de tudo lhes dá o antídoto, ensinando a buscar a sabedoria por meio dos estudos de modo seguro e eficaz.
 Neo-Tomista como era, Sertillanges começa seu livro explicando o seu objeto: o vocacionado à vida intelectual. Afinal, de que se trata essa vocação? Ele explica que algumas pessoas se sentem chamadas a viver uma vida de estudos, e esse chamado é literalmente uma vocação, é um chamado. Todo ser humano é chamado a viver de um determinado modo, seja ele o matrimônio, o celibato consagrado, o sacerdócio, a vida monastica. Existe também a vocação universal, que é a vocação universal à santidade, à perfeição cristã. E por fim, existem as vocações "menores", que expressam aquilo pro qual a pessoa leva jeito, como Mozart levava jeito para a música ou Pelé pro futebol. Algumas pessoas "levam jeito" para serem intelectuais, e o autor ensina que possivelmente essas pessoas jamais ficarão satisfeita vivendo uma vida incoerente com tal tendência.

 Claro que não é trivial discernir a vocação, sobretudo porque aqui no nosso país o próprio fato de precisar estudar é visto como um fardo e como mero meio de se obter um ganha-pão e tal atitude pode vir a envenenar a mente dos vocacionados. Entretanto, o vocacionado sentirá dentro de si um amor ao estudo, ao aprendizado e também se perceberá melhor nisso do que a média. O ideal é que uma pessoa que sinta isso trabalhe naquilo que é boa, ou seja, o ideal seria que ela pudesse viver de seus estudos (e dos trabalhos decorrentes destes). Claro que a não ser que o sujeito se enfurne no meio acadêmico (o que não é fácil pra quem não teve oportunidades) é difícil conseguir viver disso. Mas o mais importante é o ardor, a vontade de estudar e produzir: o sujeito pode viver essa vocação de modo mais pleno que um acadêmico se se dedicar por algumas horas, com ardor, à atividade intelectual após o trabalho que realiza para ganhar o seu pão de cada dia. 
 Entretanto o intelectual não pode ser descrito apenas como um sujeito que "gosta de estudar", pois até mesmo esse gosto pode desaparecer se as virtudes necessárias não forem cultivadas. Para se fazer qualquer coisa direito, deve-se ter virtudes, deve-se combater os vícios que nos seguram e nos tornam menos homens e mais animais. Até um sujeito muito talentoso pode virar um zé-ninguem se começar a andar com os zé-droguinhas trepa-trepa da universidade. Estudar é uma tarefa ardua, e as letras não excitam o espírito: um sujeito luxurioso, que pensa besteira a cada segundo, ou um sujeito preguiçoso, que se enfastia só de pensar em estudar, não chegarão nisso muito longe. Os sete vícios capitais devem ser combatidos.
 Além disso, o intelectual precisa ter a virtude própria de sua vocação, a estudiosidade. Santo Tomás subordinava tal virtude à temperança, ou seja, o bom estudante sabe dosar bem as coisas, ele é organizado, ele não se descontrola estudando uma madrugada a toa pra uma prova pra depois passar dias sem estudar. Um bom estudante deve cuidar do seu corpo: já dizia o estagirita, "corpo são, mente sã". Ele deve ter uma vida além dos estudos, ele tem obrigação de ser um bom pai, uma boa mãe, um bom filho. Ele tem obrigação a ser caridoso, a ser bom para os outros, pois essa obrigação se estende a todos os seres humanos. Ele não deve se isolar, esquecendo-se de que os livros falam de coisas que são abstraídas do mundo: o livro remete à realidade, e compreende-la é que é objetivo dele. 
 Duas coisas são contrárias à estudiosidade: a negligência (óbvio, pois nenhum intelectual se torna intelectual sem estudar) e a vã curiosidade (é, faz mal ficar como um idiota lendo artigos na wikipédia a esmo só pra ver mais ou menos o que significa isso ou aquilo sem ter real intenção de aprender aquilo). 
 No capítulo III, o autor ensina algumas maximas de organização de vida: viva uma vida simples, sem muitas pompas e obrigações vãs que só servem para atravancar o pleno desenvolvimento do indivíduo. Viva a solidão, o que é diferente de se isolar: o homem solitário é aquele que toca sem ser tocado, como os anjos, é o sujeito que não se desumaniza no contato com outros seres humanos, ele não é tomado pelo espírito de rebanho, que faz com que um grande ajuntamento de pessoas seja muito mais burro do que cada um dos sujeitos individualmente. Guardar a solidão é estar constantemente em presença de si mesmo, julgando-se e vendo o que deve ser melhorado e piorado: guardar a solidão é não ligar o piloto automático e viver no modo bicho, é ser silêncioso, calmo e ponderar os próprios atos,  é alcamar a si mesmo de dentro pra fora.
 Tendo percebido a vocação, buscado as virtudes necessárias e organizado a vida, o proximo passo é o trabalho: este deve ser contínuo. O autor usa o termo "trabalhai sem cessar". Ora, a vontade de amar e servir a Deus é de fato orar sem cessar, e portanto a vontade de buscar à Sua Verdade é "trabalhar sem cessar', ao menos no sentido intelectual. O sujeito não precisa (nem deve!) passar o tempo todo estudando, mas deve desejar estudar e aprender o tempo todo. Ele deve se "espantar diante do mundo", como dizia Aristóteles. O autor critica muito àqueles que passam o dia todo estudando de modo meia boca, distraindo-se até mesmo com as moscas que voam ao longe. É melhor estudar menos e com dedicação plena do que passar o dia todo estudando as meias, pois alguém que faz isso nem estuda, nem descansa, só perde tempo. 
 No capítulo V, o autor dá um quadro ideal de estudos para o aluno: ele deve saber de tudo um pouco (o que ele chama de "ciências comparadas") para saber onde cavar, mas deve cavar. Todo mundo deve ser um especialista com espírito de generalista: estudar algo a fundo mas saber um pouco de tudo. Claro, nesse contexto alguns acabam se tornando céticos, pois não parece haver uma coerência nos saberes, existe a falsa impressão de que as coisas se contradizem. Ele recomenda para "colar" o espírito uma boa dose de filosofia tomista para conseguir colocar todas as ciências em seu devido lugar e faze-las parte de um todo coeso. Acima de tudo, acima da filosofia, a teologia. Todos os saberes são hierarquizáveis, e Aristóteles já os hierarquizou a 2300 anos atrás.
 Com relação à especialidade, o conselho é simples: não dá pra se especializar em tudo! Você é um homem só, não deve querer ser legião, deve ser humilde. Estude algo a fundo, algo que lhe apeteça, e não perca o resto de vista: eis um imperativo.
 Para bem trabalhar, o sujeito deve estudar com afinco, com ardor, e não por obrigação. Nesse sentido, o modelo universitário de disciplinas deixa a desejar, pois exige que o aluno vá em um ritmo que não é dele e pegue o terrivel hábito de "estudar pra prova", que é uma verdadeira desgraça. Claro, outra coisa que contraria esse ardor é a preguiça: o sujeito não deve ver o estudo com enfastio. Uma boa dica que ele dá com relação à isso é a de "variar as culturas", ou seja, estude outras coisas além de sua especialidade, para que você se dedique a elas quando você de fato se cansar de um determinado assunto. Assim, você caminhará sempre pra frente, nunca para trás.
 Um estudioso deve ser virtuoso, repito. Isso é necessário pois o estudioso busca a verdade, e a busca honestamente: pois isso a virtude é necessária nesse contexto, pois um sujeito vicioso não aceitará a verdade se ela for contra algum de seus tortos princípios. O importante é estar pronto para aceitar a verdade à todo custo. 
 Feito isso, vem a pergunta: como se preparar pra produzir algo? Isso que foi dito anteriormente se refere principalmente ao estudo. No capítulo VII, o autor explica como o sujeito deve preparar-se para tornar frutífero tudo o que ele estudou. Seus conselhos são: leia somente o que for edificante (pois sua mente pode ficar cheia de porcarias inuteis depois e ler essas coisas vai apenas te enfastiar) e leia cada tipo de coisa com um espírito diferente. O autor diferencia quatro tipos de leituras, as formativas (que você lê aceitando e ponderando o que o autor lê para botar aquilo em prática de fato em sua vida intelectual), as ocasionais (que você lê por ocasião, por precisar de algum conceito ensinado naquele livro), as de estímulo (que servem para anima-lo, fazendo-o perceber porque você faz o que faz em primeiro lugar) e as de repouso (que são livros lidos por diversão, para gerar alegria, que é a única coisa que realmente faz descansar, segundo Sto. Tomás). Claro que neste ultimo não vale esculachar, lendo algo muito complicado ou algo imoral.
 Uma outra dica interessante é a do "trato com o gênio": ele ensina que ler sobre a vida daqueles que lhe inspiram é sempre edificante. E por fim, ele ensina a conciliar em vez de opor, buscando a verdade e não olhando quem a diz, e pode-se ter certeza que todo grande gênio que algo a nos ensinar.
 Ele também ensina macetes de estudo, ensinando que um especialista em dada área deve saber de cor coisas que devem ser sabidas por todo homem e também coisas que são específicas de sua área. Claro que a memória tem limites, mesmo quando a forçamos a decorar algo, e aí entram as notas: sólidas extensões de nosso cérebro, que embora de acesso mais complicado, são muito mais perenes. Ele dá na seção C do capítulo VII um bom guia de como usar notas (fichamento) para se estudar, coisa que muito concurseiro faz hoje em dia.
 Claro, no capítulo VIII vemos pra que serve tudo isso: pra produzir uma obra. Para tal, é necessário perseverar até o fim, buscar fazer tudo bem feito e não ir além das próprias forças, pois nenhuma obra vale um homem. É necessário trabalhar com constância, pois devagar se vai ao longe se não se parar toda hora. É necessário ter paciência, pois muitas vezes algo é complicado e demora pra ser compreendido, muitas vezes sua cabeça não está funcionando direito e lhe causa a impressão de que você não é mais capaz de nada . É necessário ter perseverança, pois em alguns momentos tudo parecerá muito difícil e árido, e você se perguntará se é pra aquilo mesmo que você nasceu (ele inclusive diz que é comum que intelectual invejem trabalhadores braçais, o que é engraçado, pois os trabalhadores braçais usualmente acham que um estudioso fica o dia de inteiro de boa, em paz e com o traseiro sentado numa confortável poltrona). Fazendo isso, o sujeito, com a graça de Deus, conseguirá levar a cabo sua obra e assim dar uma pequena contribuição pro todo de conhecimento que temos hoje, conhecimento que pelas causas remete ao Criador que as transcende todas.
 Por fim, no ultimo capítulo ele trata do trato do intelectual com a vida: é até difícil (não só nessa parte, mas no decorrer do texto) não fazer citações do próprio livro, pois o autor escreve de uma maneira altamente inspirada, escrevendo frases de efeito a cada página. Ele ensina que o estudo é um ato de vida, e ninguem deve deixar de viver para estudar (lembrando que com isso ele não dá carta branca pra uma vida degenerada: o que ele explica aqui é que existem outras obrigações na vida que devem ser cumpridas). Ele ensina que o homem deve saber se distrair, e muitas vezes essa distração é dada simplesmente pela mudança de atividade: um estudioso pode estudar lavando a louça ou ensaiando para um coral, por exemplo. Independente de como acontecer tal distração, o importante é que ela ocorra, pois não há possibilidade de uma pessoa trabalhar bem todo dia sem descanso, sobretudo se o trabalho for intelectual, pois este é muito dispendioso. As dicas que ele dá nesse capítulo se estendem também à pessoas não vocacionadas à intelectualidade, pois são coisas comuns à todos os homens: saber aceitar as provações e saborear as alegrias de uma vida possivelmente simples e cheia de vida de um dia a dia rotineiro. Desse finalzinho, retirei a frase do meu TCC: "a recompensa duma obra é conclui-la, a recompensa do esforço é o ter crescido".

 É um livro que recomendo à todos que gostam de estudar. É óbvio que num breve resumo deixo muito de fora, mas a quantidade de informações é tão rica (e o todo do livro é tão orgânico, tão grave e tudo tem tanta necessidade) que apenas com a leitura dele se aproveita tudo. É um dos livros mais importantes de minha vida, pois me ensina a como viver a vocação pra qual eu sinto que fui chamado, e me ensina a fazer isso nos detalhes mais mínimos! Vejo esse livro como um "manual de instruções pra vida" , um verdadeiro livro formador, e espero me configurar mais e mais à figura do intelectual expressa por ele, pois "a essência da santidade e da intelectualidade é a mesma". É se Deus te fez desejar ser um intelectual, é porque este é um dos meios que ele colocou para a sua santificação. Não tema se você for esquisitão! Talvez essa seja a vida que Deus deseja pra você!

 "Se fizeres isto produzirá frutos e alcançará o que desejais"
 ADEUS.



6 de Abril - Segunda Feira Santa

Is 42, 1-7 ; Jo 12, 1-11 A frase que mais marcada ficou, dada a leitura de Isaías que profetiza a vinda e a salvação de Cristo e o Evang...